quinta-feira, junho 16, 2005

Álvares de Azevedo
VIRGEM MORTA
Oh! make her a grave where the sun-beams rest,When they promise a glorious morrow!They’ll shine o’er sleep, like a smile from the West,From her own lov’d island of sorrow.
TH. MOORE
Lá bem na extrema da floresta virgem,Onde na praia em flor o mar suspira...Lá onde geme a brisa do crepúsculoE mais poesia o arrebol transpira...
Nas horas em que a tarde moribundaAs nuvens roxas desmaiando corta,No leito mole da molhada areiaDeitem o corpo da beleza morta.
Irmã chorosa a suspirar desfolheNo seu dormir da laranjeira as flores,Vistam-na de cetim, e o véu de noivaLhe desdobrem da face nos palores.
Vagueie em torno, de saudosas virgensErrando à noite, a lamentosa turma...E, entre cânticos de amor e de saudade,Junto às ondas do mar a virgem durma.
Às brisas da saudade soluçantesAí, em tarde misteriosa e bela,Entregarei as cordas do alaúdeE irei meus sonhos prantear por ela!
Quero eu mesmo de rosa o leito encher-lheE de amorosos prantos perfumá-la...E a essência dos cânticos divinosNo túmulo da virgem derramá-la.
Que importa que ela durma descoradaE velasse o palor a cor do pejo?Quero a delícia que o amor sonhavaNos lábios dela pressentir num beijo.
Desbotada coroa do poeta!Foi ela mesma quem prendeu-te flores!Ungiu-as no sacrário de seu peito Inda virgem do alento dos amores!...
Na minha fronte riu de ti, passando,Dos sepulcros o vento peregrino...Irei eu mesmo desfolhar-te agoraDa fronte dela no palor divino!...
E contudo eu sonhava! e pressurosoDa esperança o licor sorvi sedento!Ai! que tudo passou!... só resta agoraO sorriso de um anjo macilento!..........................................................................
Ó minha amante, minha doce virgem,Eu não te profanei, tu dormes pura:No sono do mistério, qual na vida,Podes sonhar ainda na ventura.
Bem cedo, ao menos, eu serei contigo— Na dor do coração a morte leio...Poderei amanhã, talvez, meus lábiosDa irmã dos anjos encostar no seio...
E tu, vida que amei! pelos teus valesCom ela sonharei eternamente...Nas noites junto ao mar e no silêncio,Que das notas enchi da lira ardente!...
Dorme ali minha paz, minha esperança,Minha sina de amor morreu com ela,E o gênio do poeta, lira eóliaQue tremia ao alento da donzela!
Qu’esperanças, meu Deus! E o mundo agoraSe inunda em tanto sol no céu da tarde!Acorda, coração!... Mas no meu peitoLábio de morte murmurou: — É tarde!
É tarde! e quando o peito estremeciaSentir-me abandonado e moribundo!?...É tarde! é tarde! ó ilusões da vida,Morreu com ela da esperança o mundo!...
No leito virginal de minha noivaQuero, nas sombras do verão da vida,Prantear os meus únicos amores,Das minhas noites a visão perdida...
Quero ali, ao luar, sentir passandoPor alta noite a viração marinha,E ouvir, bem junto às flores do sepulcro,Os sonhos de su’alma inocentinha.
E quando a mágoa devorar meu peito...E quando eu morra de esperar por ela...Deixai que eu durma ali e que descanse,Na morte ao menos, sobre o seio dela!