domingo, julho 20, 2008


Tão regaço estas arcadas

Tão de brinquedo os eléctricos

Vejo a cidade parada
no ano de vinte e sete

Dela por vezes me evado
mas sempre a ela regresso

Bem sei eu que não desato
o cordão com que me aperta

Vejo seus gestos de grávida
medidos cautos imersos
nessa jovem gravidade
que só grávidas conhecem

Que frescor de madrugada
no terror com que me espera

Mães têm sempre a idade
que em sonho os filhos decretam

Recordo melhor a data
Até mesmo a atmosfera
É o dia vinte e quatro
de um mês a tremer de febre
com armas grades e o rasto
de um sangue que nunca seca
Só seis decénios passaram
rápidos como seis séculos
Tão pouco

Mas nelas cabem
cidade arcadas eléctricos
nesta imensa claridade
irmã gémea do mistério

[David Mourão-Ferreira]

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